sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Religião, dogma, tradição e mais palavrões






Sou um amante das palavras. Como jornalista, escritor e editor sei que a busca pela palavra perfeita é fundamental para que o receptor daquilo que estamos falando ou escrevendo receba a nossa mensagem compreendendo exatamente o que queremos dizer. É como um matemático, que sabe que um numerozinho sequer errado na equação vai alterar o resultado final. Ou um músico, que percebe que uma única nota fora do tom desafina toda a orquestra. Por isso, sou exigente no que se refere à escolha das palavras. Azul é azul, roxo é roxo, púrpura é púrpura e lilás é lilás. Essa minha fixação pelo significado adequado de cada termo me levou a dar especial atenção a um problema que nos últimos anos a Igreja de Jesus Cristo tem vivido cada vez mais: o uso de palavras de forma completamente equivocada e fora de seu significado real. Com isso, discursos baseados em termos (logo: ideias e conceitos) totalmente distorcidos começam a influenciar negativamente as mentes e os corações de muitos.
Um exemplo claro e imediato é a palavra “religião”. Coitada. Tem sido vilipendiada, ofendida, cuspida e crucificada por legiões de cristãos – sendo inocente. Em sua raiz e em seu significado histórico serve para identificar o relacionamento entre o fiel e seu Deus. Do latim “religare”, significa ligar aquele que está na terra a aquele que está no Céu, seja pela oração, pela adoração, o louvor, a leitura da Biblia, a meditação, a solitude, a caridade. Ou seja, praticar uma religião nada mais é do que viver um relacionamento intimo e pessoal entre criatura e Criador, entre servo e Senhor, entre poesia e poeta. Ao pé da letra e do dicionário, “religião” é “culto prestado à divindade”. No entanto, pessoas raivosas contra certos aspectos da vida em comunidade de fé têm se irritado e descontado nessa palavra tão nobre suas dores e frustrações. Surgem assim frases incoerentes e até surreais, como “passei a ser cristão quando abandonei a religião”, “religião mata”, “existem os da graça e os da religião” e outras bobagens nessa linha. O que tais pessoas querem dizer é, na verdade, que foram feridos ou se cansaram de uma “religiosidade hipócrita”, de um “formalismo religioso vazio”, de um “legalismo vivido num ambiente religioso” ou coisas do gênero. Mas, como não compreendem o significado daquilo que falam, mudam o sentido das palavras, chamam Jesus de Genésio, azul de amarelo e… Uma estrutura doente com bases religiosas de “religião”.
E, com isso, põem tudo o que tem a ver com o relacionamento do homem com Deus no mesmo saco que formas hipócritas de simular esse relacionamento. O resultado é que pecam tanto quanto aqueles que criticam.
“Mas, Mauricio, isso é uma mera questão retórica, não é isso o que quero dizer”, você poderia argumentar. Só que, se não é o que quer dizer, lamento: é isso o que está dizendo. Qualquer um que conhece os conceitos básicos de Comunicação Social sabe a regra de ouro dessa área: comunicação não é o que se fala, é o que se entende. Logo, se você usa termos e expressões fora do seu sentido verdadeiro, está provocando naquele que recebe a sua mensagem confusão, equívocos e até mudanças de conceito e atitude com relação às coisas. Só que às coisas erradas. E isso é uma tremenda irresponsabilidade. Logo, não é uma atitude cristã.
Assim, temos uma geração que está crescendo achando que o relacionamento religioso é um mal em si, pois ouvem (muitas vezes de pessoas que admiram e até de pastores-celebridades) que “religião é ruim”. Só que não é! Religião é viver um relacionamento vivo e eficaz com o Pai, o Filho e o Espirito Santo. É viver em intimidade com Deus. O próprio Tiago afirmou que “A religião que Deus, o nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo” (Tg 1.27). Não crucifique essa palavra e, logo, seu significado inocente, nem a condene ao banco dos réus da fé pela sua ignorância.
Outra palavra que tem sido renegada às galés é “dogma”. Multidões têm apedrejado e estigmatizado esse termo, achando que ele se refere a normas humanas que igrejas opressoras impõem a seus fieis. Mas dogma não é isso. Dogma é toda afirmação  biblica e inquestionável de fé. Ou, pela definição oficial do dicionário, “ponto fundamental e indiscutível de uma crença religiosa”. Vamos fazer uma experiência: você, querido leitor, que já criticou dezenas de vezes os “dogmas” da igreja, crê que Jesus é Deus? Se crê nisso, parabéns: você crê num dogma. Vamos além: você crê na Trimdade? Crê que Jesus nasceu de uma virgem? Crê que Jesus ressuscitou dos mortos? Crê que Ele voltará no final dos tempos para implantar seu Reino eterno? Bem, se você crê em todas essas coisas, você crê em muitos e muitos dogmas.
“Dogma” não é palavrão. Não é algo ruim. Dogmas são os alicerces da nossa fé. São verdades nas quais cremos e que norteiam nossa teologia e, logo, nossa vida prática, cotidiana. Sem dogmas simplesmente não existe a fé cristã. Sem dogmas daqui a pouco vão surgir lideres propondo, por exemplo, que no fim todas as pessoas irão para o Céu, mesmo islâmicos, budistas ou hinduistas. Mas a salvação pelo único caminho, Jesus Cristo, a videira verdadeira…é um dogma. Se você não tomar a exclusividade da salvação por Jesus como um dogma daqui a pouco estará crendo que todos os caminhos levam a Deus e se inclinando para Meca.  Então pense sobre isso e veja se já não é hora de começar a usar as palavras com o significado que Deus lhes deu.
“Religião”, “dogma”… Há muitas outras palavras distorcidas pela ignorância e pela mania do ser humano de repetir como um papagaio acéfalo conceitos que ouviram de lideres cristãos doentes, magoados e que tentam arrebanhar seguidores doentes e magoados com seus discursos cheios de palavras mal utilizadas. Gosto muito do exemplo do vocábulo “fundamentalista”, que se refere a alguém que valoriza o “fundamentalismo”. Num mundo pôs-onze de setembro, esse termo passou a ser associado a fanáticos religiosos, pessoas que fecham seus corações ao amor e à graça de Deus e se agarram como fariseus ensandecidos a estruturas religiosas opressoras e desumanas. Só que há uma questão aqui: O significado de “fundamentalismo” é, etimologicamente, lindo: “Doutrina que defende a fidelidade absoluta à interpretação literal dos textos religiosos”. Isso fala de alguém que tem fundamentos sólidos. E fundamentos são alicerces, alicerces sobre os quais o cristão precisa construir a casa de sua fé. Jesus mesmo ratificou a importância de edificar nossa vida sobre fundamentos bem estabelecidos: “Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as pratica é como um homem prudente que construiu a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela não caiu, porque tinha seus alicerces [fundamentos, grifo meu] na rocha” (Mt 7.24,25)”. Em resumo, Jesus estava afirmando com todas as letras que fundamentalista é aquele que edifica sua casa sobre a Rocha.
Assim, para a pessoa que não busca compreender o sentido dos termos além daquilo que os lideres adeptos de slogans e frases feitas lhes ensinam, “fundamentalista” é apenas um talibã. Um fanático desvairado e desalmado que se prende a um legalismo vazio para oprimir os cristãos. Mas é importante saber que “fundamentalista” no seu sentido original é acima de tudo alguém que conduz sua fé sobre fundamentos sólidos. Fundamentos inegociáveis, como a divindade de Jesus; a salvação pela graça somente, mediante a fé; a coexistência em igual potência do amor e da justiça de Deus… E por aí vai. E os que renegam o “fundamentalismo”, nesse sentido, correm o risco de se tornar relativistas e até hereges. Pois sua casa de fé foi construída sobre o terreno arenoso das possibilidades (“Mas quem ouve estas minhas palavras e não as pratica é como um insensato que construiu a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela caiu. E foi grande a sua queda” – Mt 7.26,27).
O mesmo se aplica a “ortodoxia”. Para muitos, isso é sinônimo de coisa velha, mofada, ultrapassada. Não sabem que o ortodoxo é aquele que se guia pelo que é sólido, que foi provado e aprovado pelos séculos. E que não se deixa levar por modismos de fé ou ventos de doutrina. O dicionário define “ortodoxia”, pasme você, como “doutrina declarada verdadeira”. Ou seja, quem é contra a ortodoxia é contra as doutrinas verdadeiras! Só que ortodoxo é aquele cristão bem estruturado, que ouve pastores-poetas dizerem que Deus não esta no controle das tragédias e não se deixa levar por suas palavrinhas bonitas. O ortodoxo é aquele que sabe que uma afirmação bíblica dura e dolorosa vale milhões de vezes mais no que tange à vida eterna do que um verso de Clarice Lispector, Caio F. Abreu ou Vinicius de Moraes (poetas que amo, mas que não têm nenhum valor canônico). O ortodoxo mantém-se fiel ao conselho dos sábios em vez de seguir como uma vaquinha de presépio a fúria revolucionaria de jovens teólogos cheios de testosterona, ávidos por deixar sua marca na história confrontando antigas verdades com novidades perigosas. O ortodoxo sabe incorporar na sabedoria dos séculos aquilo que os novos tempos trazem de bom sem mudar a essência da fé e sem atacar a linha religiosa que por séculos conduziu os perdidos a Cristo. O ortodoxo é o que aconselha Roboão a corrigir os erros de Salomão mas corre o risco de ser ignorado porque “afinal, é ortodoxo”.  Então, diante disso tudo, o antiortodoxo (que não chega a ser heterodoxo, é simplesmente radicalmente contrário ao que considera ser ortodoxo) chega e diz “cala a boca, velho, não importa que o que você diga é bíblico, pois você é um ortodoxo”.
Palavras existem por uma razão: para significar algo. Se você toma uma palavra e lhe atribui um significado diferente, está fraudando o sentido do que é dito. E fraude, lembremos, é pecado. Por outro lado, uma das belezas da língua é que ela é viva, está em constante mutação.  A cada dia novos significados são atribuídos a antigos termos. Isso não é errado, é natural e até desejável – caso contrário, até hoje estaríamos falando latim. Mas o x da questão aqui é que se você deseja atribuir um novo significado a uma antiga palavra, precisa explicar muito bem a quem ouve o que está querendo dizer. Escrever no twitter “Existem os da graça e os da religião”, por exemplo, é uma estupidez e uma irresponsabilidade sem tamanho. Esquece quem diz coisas como essas que está sendo lido por milhares de jovens que ainda estão formando seus conceitos, muitos dos quais não têm ainda bagagem intelectual ou conhecimento teológico suficientes para compreender e julgar o que estão lendo. Não se muda o sentido de uma palavra sem anunciar em textos de começo, meio e fim aquilo que se inventou. Quem assim o faz com termos referentes à fé presta um terrível desserviço à causa de Cristo.
Tenho visto, por exemplo, o massacre ensandecido que alguns desinformados da fé têm imposto à palavra “tradição”. Em seu afã por inventar um Evangelho que ponha Jesus de calça jeans, cabelo arrepiado e ouvindo Linkin Park, os assassinos da tradição impõem sobre aqueles que os ouvem uma  cegueira histórica absolutamente emburrecedora. Tentam fazer parecer que “tradição” são ensinamentos e práticas de velhos caquéticos que vivem na idade da pedra e que só servem para matar a alegria da graça de Deus. Mas não é nada disso. Tradição é toda a estrada que nos trouxe até aqui. Tradição são dois mil anos de mártires que deram seu sangue por Cristo. Tradição são dois mil anos de homens e mulheres dos quais o mundo não era digno, que mergulharam nas Escrituras e queimaram suas retinas estudando a Palavra de Deus para formular conceitos teológicos que, hoje, os críticos da tradição pregam em suas comunidades. Tradição são dois mil anos de joelhos no chão, viagens missionárias feitas no lombo de cavalos, sangue, suor e lágrimas pela causa de Cristo. Tradição são dois mil anos de vidas tão devotadas à mensagem da Cruz que deveríamos morrer de vergonha por achar que nosso evangelho de ar condicionado e suquinho de laranja é grande coisa. No mínimo, temos de honrar os antigos que construíram a tradição que herdamos e hoje dita a fé que temos rejeitado, púberes petulantes que somos.
Quer combater os erros e abusos da igreja? Combata. Quer criticar o que acredita que deve ser criticado? Critique. Mas, por favor, combata a coisa certa. Critique o culpado. Injustiça contraria o senso de justiça de Deus. Não ponha no banco dos réus aqueles que são inocentes. Use as palavras certas. E não embarque no discurso revolucionário de lideres cristãos carismáticos que dizem o que você quer ouvir apenas para se promover – manipulando e distorcendo a língua portuguesa. Pois dizer que 1 + 1 = 5 é fácil. Corrigir os danos que isso provoca é que é o problema.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Autor: Mauricio Zágari

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