quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Cartas do Inferno 06


CARTA Número VI

Meu Caro Wormwood(nome fictício dado a um demônio):   

Fico encantado ouvindo que a idade e profissão do seu paciente permitem a possibilidade, ainda que não a certeza, de que ele seja chamado para o serviço militar. Desejamos que ele fique na máxima incerteza, e que sua mente fique cheia de aspectos contraditórios do futuro, para que cada um desses aspectos provoque nele esperanças e receios. Não há nada como o suspense e a ansiedade para levantar pela mente humana uma autêntica barricada contra o Inimigo. Ele deseja homens ocupados com o que fazem, ao passo que nós trabalhamos para deixá-los preocupados com o que irá acontecer a eles.

Seu paciente já terá a essa altura - concordo - absorvido a noção de que deve submeter-se pacientemente à vontade do Inimigo. O que o Inimigo quer dizer com isso é que o homem deve receber com resignação todas a tribulação jogada sobre ele - as mesmas que produzem o presente estado de suspense e ansiedade. E nesta ótica que o paciente deve dizer "Seja feita a Tua vontade!", e no tocante à responsabilidade diária de suportar esse fardo, ele deverá pedir que lhe seja dado o pão de cada dia. E seu dever cuidar para que o paciente nunca imagine o seu presente medo como uma cruz que lhe está destinada, mas sim gaste todo o tempo possível com os temores que o assombram. Aja no sentido de que o paciente considere tudo como verdadeiras cruzes; deixe-o a pensar que já que elas não tem nada a ver uma com a outra, que não podem todas lhe acontecer ao mesmo tempo, e portanto, treine-o para praticar a resignação e paciência pelas provações muito antes que elas tenham sequer começado a acontecer. Pois a real resignação para uma dúzia de coisas diferentes (e imaginárias) é quase impossível, e o Inimigo não se mostra lá muito interessado nas pessoas que tentam conseguir essa "virtude". A resignação por sofrimentos reais e presentes, ainda quando o sofrimento é formado apenas por medo, é muito mais facilmente socorrida pela ação direta do Inimigo.

Uma importante lei espiritual está contida aqui. Já lhe expliquei que você pode enfraquecer suas orações pelo desvio de suas atenções do Inimigo Real para os estados de mente que ele alimenta com relação ao Inimigo. Por outro lado, é extremamente mais fácil assenhorear-se do medo quando a mente do paciente está desviada do objeto amedrontador para o medo em si, considerado com um estado presente e insuportável em sua mente, e quando o homem considera o medo como a cruz que ele deve carregar (inapelavelmente) como um estado em sua mente. Podemos, portanto, formular a regra geral: Em todas as situações mentais que nos favoreçam, encoraje o paciente a se despir da autoconsciência e se concentrar puramente no objeto em si; mas em todas as atividades favoráveis ao Inimigo, conduza sua mente de volta a ela mesma. Façamos com que um insulto ou um corpo de mulher fixe sua atenção no exterior a tal ponto que ele não possa refletir "Estou neste momento entrando em um estado de alma chamado Raiva - ou em um estado de alma chamado Luxuria." Ao contrario, faça com que as reflexões: "Estou agora acrescentando mais devoção ou caridade aos meus sentimentos", a fim de fixar sua atenção em si mesmo de tal forma que nunca mais possa olhar alem de si mesmo para ver o Inimigo ou ao seu próximo.

A respeito das atitudes gerais do paciente com relação à guerra, você não pode confiar excessivamente naqueles sentimentos de ódio que os humanos tanto gostam de discutir nos periódicos, sejam eles Cristãos ou não-Cristãos. Em sua angustia o paciente pode - reconheço - ser incentivado à vingança pessoal através de sentimentos revanchistas contra, por exemplo, os lideres alemães, e isso é coisa muito boa até onde puder ser levada. Mas usualmente, este tipo de ódio é melodramático e fantasioso, dirigido contra vitimas imaginárias. Ele jamais encontra estas pessoas na vida real - são todas figuras pré-moldadas que ele absorve das noticias nos jornais. Os resultados deste ódio fantasioso são freqüentemente muito decepcionantes, e de todos os humanos, os ingleses são os mais deploravelmente "fogos de palha" neste aspecto. Eles são deste tipo miserável de criaturas que proclamam aos gritos a tortura como a melhor opção para seus inimigos e oferecem chá e cigarros para o primeiro piloto alemão ferido que seja capturado debaixo de suas portas.

Seja o que for que você fizer, sempre sobra alguma benevolência e alguma malícia na alma do seu paciente. A grande jogada e dirigir a malícia para seus vizinhos mais próximos (do tipo que ele veja todo dia) e dirigir sua benevolência para um círculo distante e para pessoas que ele sequer conheça. Desta forma, a malícia acaba se tornando real, e a benevolência, em ultima análise, totalmente imaginária. Não é bom que você inflame o seu ódio pelos alemães se ao mesmo tempo está crescendo um pernicioso hábito de caridade entre ele e sua mãe, seu empregador ou o homem que ele encontra no trem.

Imagine seu homem como uma serie de círculos concêntricos na qual sua vontade seja o centro, vindo após seu intelecto e finalmente, sua fantasia. Dificilmente você terá a esperança de conseguir excluir de todos os círculos tudo que tenha o aroma do Inimigo: mas você terá sucesso movendo todas as virtudes para o círculo da fantasia, ficando os defeitos e vícios que desejamos transferidos para a Vontade. Somente quando estão encravadas na Vontade, e se manifestam em atitudes e hábitos, as virtudes nos são realmente fatais. (Não estou, naturalmente, me referindo ao que o paciente chama erradamente de sua Vontade - esta névoa de consciência e exercícios de resolução e gestos agressivos, mas o real centro da personalidade, que o Inimigo chama de CORAÇÃO!).

Toda a sorte de virtudes pintadas na fantasia ou simplesmente aprovadas pelo intelecto, ou mesmo até certo ponto amadas e admiradas, não arrancariam nosso homem dos antros de Nosso Pai lá de Baixo; ao contrário, elas até fazem as vitimas mais engraçadas quando as mesmas descem ao Inferno.

Seu afetuoso tio
SCREWTAPE (nome fictício dado a um demônio superior ao primeiro)


Retirado do livro "Cartas do Inferno" de C.S. Lewis.

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