sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Trecho do livro: O Jesus que eu não conhecia. De Fhilip Yancey

                                                                             
   Estou convencido de que, para esses santos negligenciados, os quais aprenderam a antecipar e a desfrutar de Deus apesar das dificuldades da vida na terra, o céu parecerá mais com um retorno para o lar há muito aguardado do que uma visita a um novo lugar. Na vida deles, as bem-aventuranças tornaram-se reais. Para as pessoas que foram apanhadas pela dor, em lares desfeitos, no caos econômico, no ódio e no medo, na violência — para essas, Jesus oferece uma promessa de um tempo, mais longo e mais substancial do que este tempo na terra, de saúde e de inteireza, de prazer e de paz. Um tempo de recompensas.

A grande inversão. Com o tempo aprendi a respeitar e até a esperar as recompensas que Jesus prometeu. Mesmo assim, essas recompensas se encontram em algum lugar no futuro, e as promessas pendentes não satisfazem as necessidades imediatas. Ao longo do caminho, cheguei a crer que as bem-aventuranças referem-se ao presente também, além do futuro. Precisamente contrapõem o sucesso no reino do céu ao reino deste mundo.
J. B. Phillips traduziu as bem-aventuranças que se aplicam ao reino deste mundo:

Felizes os “intrometidos”: pois subirão a postos elevados no mundo.
Felizes os que têm pavio curto: pois nunca permitirão que a vida os machuque.
Felizes os que se queixam: pois conseguem fazer o que querem no final.
Felizes os blasés: pois nunca se preocupam com os seus pecados.
Felizes os escravizadores: pois obterão resultados.
Felizes os homens notáveis deste mundo: pois se aproveitam das circunstâncias.
Felizes os perturbadores: pois são notados pelos outros.1

A sociedade moderna vive por regras de sobrevivência dos mais capacitados. “Aquele que morre com mais brinquedos é o vencedor”, diz a frase de um pára-choque. Da mesma forma a nação com as melhores armas e com o maior PIB. O proprietário dos Chicago Bulls apresentou um resumo compacto das regras que governam o mundo visível na ocasião da aposentadoria (temporária) de Michael Jordan. “Ele está vivendo o sonho americano”, disse Jerry Reinsdorf. “O sonho americano é atingir um momento na vida em que não é preciso fazer nada que você não queira e em que pode fazer tudo o que quer.”
Esse pode ser o sonho americano, mas sem dúvida não é o sonho de Jesus conforme revelado nas bem-aventuranças. As bem-aventuranças expressam com bastante clareza que Deus avalia este mundo por um conjunto de lentes. Deus parece preferir os pobres e os que choram, à Loteria Federal e aos supermodelos que se divertem na praia. É estranho, Deus pode preferir a América Latina do Centro e do Sul à praia de Malibu, e Ruanda a Monte Carlo. Na verdade, poder-se-ia colocar um subtítulo no sermão do monte, não a “sobrevivência dos mais aptos”, mas o “triunfo das vítimas”.
Diversas cenas nos evangelhos apresentam um bom quadro do tipo de pessoas que impressionou Jesus. Uma viúva que colocou seus últimos dois centavos como oferta. Um desonesto cobrador de impostos tão arrasado pela ansiedade que subiu em uma árvore para ter uma visão melhor de Jesus. Uma criança sem nome, sem descrição. Uma mulher com uma fileira de casamentos infelizes. Um mendigo cego. Uma adúltera. Um homem com lepra. A força, a boa aparência, as boas relações e um instinto competitivo podem trazer o sucesso para uma pessoa em uma sociedade como a nossa, mas são exatamente aquelas qualidades que bloqueiam a entrada no reino do céu. A dependência, a tristeza, o arrependimento, um anseio de mudar — esses são os portões para o reino de Deus.
“Bem-aventurados os pobres de espírito”, disse Jesus. Um comentário traduz para “Bem-aventurados os desesperados”. Não tendo a quem buscar, os desesperados se voltam para Jesus, o único que pode oferecer a libertação por que anseiam. Jesus realmente cria que uma pessoa pobre de espírito, ou chorosa, ou perseguida, ou faminta e sedenta da justiça tem uma “vantagem” especial sobre o restante de nós. Talvez, apenas talvez, a pessoa desesperada clame a Deus pedindo ajuda. Nesse caso, essa pessoa é verdadeiramente bem-aventurada.
Os estudiosos católicos cunharam a expressão “a opção de Deus pelos pobres”, em referência a um fenômeno que encontraram no Antigo e no Novo Testamento: a parcialidade de Deus para com os pobres e os prejudicados. Por que Deus destacaria os pobres para atenção especial em detrimento de qualquer outro grupo?, eu ficava imaginando. O que “faz os pobres merecerem a preocupação de Deus? Recebi ajuda nessa pergunta de uma escritora chamada Monika Hellwig, que faz uma lista das seguintes “vantagens” de ser pobre:
1.    Os pobres sabem que têm premente necessidade de redenção.
2.    Os pobres reconhecem não apenas sua dependência de Deus e de gente poderosa como também sua interdepen­dência uns dos outros.
3.    Os pobres depositam a segurança não nas coisas, mas nas pessoas.
4.    Os pobres não têm um senso exagerado de sua própria importância e nenhuma necessidade exagerada de privaci­dade.
5.    Os pobres esperam pouco da competição e muito da coope­ração.
6.    Os pobres conseguem distinguir entre necessidade e luxo.
7.    Os pobres podem esperar, porque adquiriram uma espécie de paciência obstinada nascida de uma dependência reconhecida.
8.    Os temores dos pobres são mais realistas e menos exage­rados, porque já sabem que a pessoa pode sobreviver a grandes sofrimentos e necessidades.
9.    Quando os pobres ouvem a pregação do evangelho, ele soa como boas novas e não como uma ameaça ou repre­ensão.
10. Os pobres podem reagir ao apelo do evangelho com certo abandono e com uma inteireza descomplicada porque têm tão pouco a perder e estão prontos para tudo.

Em suma, não por escolha própria — podem intensamente desejar o contrário —, as pessoas pobres encontram-se em uma postura que se encaixa na graça de Deus. Em sua condição de necessidade, de dependência e de insatisfação com a vida, podem dar boas vindas ao livre dom do amor de Deus.
Como exercício voltei à lista de Monika Hellwig, substituindo a palavra “pobres” pela palavra “ricos”, e alterando cada frase para o seu inverso. “Os ricos não sabem que precisam prementemente de redenção... Os ricos não depositam a confiança nas pessoas, mas nas coisas...” (Jesus fez uma coisa parecida na versão de Lucas das bem-aventuranças, mas essa parte recebe muito menos atenção: “Mas ai de vós, os ricos! Pois já tendes a vossa consolação...”.)
A seguir, tentei uma coisa ainda mais ameaçadora: substituí “ricos” pela palavra “eu”. Revendo cada uma das dez declarações, perguntei-me se minhas próprias atitudes se pareciam mais com as dos pobres ou com as dos ricos. Reconheço facilmente minhas necessidades? Rapidamente dependo de Deus e das outras pessoas? Onde fica a minha segurança? Estou mais pronto a competir ou a cooperar? Posso distinguir entre necessidades e luxos? Sou paciente?
As bem-aventuranças me parecem boas novas ou uma espécie de repreensão?
Quando fiz esse exercício comecei a perceber por que tantos santos voluntariamente se submetem à disciplina da pobreza. A dependência, a humildade, a simplicidade, a cooperação e um senso de abandono são qualidades grandemente prezadas na vida espiritual, mas extremamente fugidias para as pessoas que vivem no conforto. Podem existir outros caminhos para Deus mas — ah! — são difíceis, tão difíceis como um camelo se espremendo pelo buraco de uma agulha. Na grande inversão do reino de Deus, os santos prósperos são muito raros.
Não creio que os pobres sejam mais virtuosos do que qualquer outra pessoa (embora tenha descoberto que são mais compassivos e com freqüência mais generosos), mas são menos inclinados a fingir que são virtuosos. Não têm a arrogância da classe média, que pode habilmente disfarçar seus problemas sob uma fachada de justiça própria. São mutuamente mais dependentes, porque não têm escolha; precisam depender dos outros simplesmente para sobreviver.
Agora vejo as bem-aventuranças não como divisa protetora, mas como profundas perspectivas dentro do mistério da existência humana. O reino de Deus vira a mesa. Os pobres, os famintos, os que choram e os oprimidos de fato serão bem-aventurados. Não, naturalmente, por causa de seu estado de infortúnio — Jesus passou grande parte da vida tentando remediar esses infortúnios. Antes, são bem-aventurados por causa de uma vantagem inata que têm sobre os mais privilegiados e auto-suficientes. As pessoas ricas, com sucesso e belas podem muito bem passar pela vida descansando em seus dotes naturais. As pessoas que têm falta de tais privilégios naturais, uma vez desqualificadas para o sucesso no reino deste mundo, têm simplesmente de se voltar para Deus no momento da necessidade.

Os seres humanos não admitem prontamente o desespero. Quando o fazem, o reino do céu se aproxima.



A realidade psicológica. Mais recentemente, passei a ver um terceiro nível nas bem-aventuranças. Além de Jesus oferecer um ideal para lutarmos por alcançar, com recompensas cabíveis em mira, além de virar a mesa de nossa sociedade viciada em sucesso, também estabeleceu uma fórmula simples de verdade psicológica, o nível mais profundo da verdade que conhecemos na terra.
As bem-aventuranças revelam que aquilo que sucede no reino do céu também nos beneficia mais nesta vida aqui e agora. Levei muitos anos para reconhecer esse fato, e apenas agora estou começando a entender as bem-aventuranças. Elas ainda me fazem tremer toda vez que as leio, mas assustam porque reconheço nelas uma riqueza que desmascara minha própria pobreza.
Bem-aventurados os pobres de espírito [...] Bem-aventurados os mansos. Um livro como Intellectuals (Os intelectuais), de Paul Johnson, apresenta com minúcias convincentes tudo aquilo que sabemos ser verdadeiro: as pessoas que elogiamos, aquelas com as quais tentamos competir e as que apresentamos na capa das revistas populares não são as satisfeitas, as felizes, as equilibradas que possamos imaginar. Embora as personagens de Johnson (Ernest Hemingway, Bertrand Russell, Jean-Paul Sartre, Edmund Wilson, Bertoldt Brecht etc.) sejam consideradas vencedoras por qualquer padrão moderno, seria difícil reunir um grupo mais infeliz, mais egomaníaco e mais corrompido.
Minha carreira de jornalista me tem proporcionado oportuni­dades de entrevistar “astros”, mesmo dos grandes times de futebol da Liga Americana de Futebol, atores do cinema, músicos, autores de best-sellers, políticos e personalidades da TV. Essas são as pessoas que dominam a mídia. Nós as bajulamos, vasculhando-lhes minucio­samente a vida: as roupas que usam, a comida que comem, as trilhas de corrida que seguem, as pessoas que amam, o dentifrício que usam. Mas posso dizer que, em minha limitada experiência, descobri que o princípio de Paul Johnson continua verdadeiro: nossos “ídolos” são o grupo de pessoas mais infelizes que já conheci. Muitos têm casamentos problemáticos ou desfeitos. Quase todos são incuravelmente dependentes da psicoterapia. Numa grande ironia, esses heróis maiores que a própria vida parecem atormen­tados pela dúvida acerca de si mesmos.
Também passei tempo com pessoas a que chamo “servos”. Médicos e enfermeiras que trabalham entre os últimos párias, pacientes com lepra na Índia rural. Um graduado de Princeton que dirige um abrigo para os sem-teto de Chicago. Trabalhadores da área médica que abandonaram empregos altamente remunerados para atuar em alguma cidadezinha do Mississippi. Assistentes sociais na Somália, no Sudão, na Etiópia, em Bangladesh e em outros depósitos do sofrimento humano. Os PhDs que conheci no Arizona, agora espalhados pelas selvas da América do Sul traduzindo a Bíblia para línguas obscuras.
Eu estava preparado para honrar e admirar esses servos, para considerá-los exemplos inspiradores. Não estava preparado para invejá-los. Mas agora, quando reflito sobre os dois grupos lado a lado, astros e servos, os servos claramente sobressaem como favorecidos e agraciados. Sem dúvida, preferiria gastar tempo entre os servos a gastá-lo entre os astros: possuem qualidades de profundidade e de riqueza e até mesmo alegria que não encontrei em nenhum outro lugar. Os servos trabalham por pouco pagamento, longas horas e sem aplausos, “desperdiçando” seus talentos e habilidades entre os pobres e iletrados. De alguma forma, entretanto, no processo de perder a vida, a encontram.
Os pobres de espírito e os mansos são realmente abençoados, creio agora. Deles é o reino dos céus, e são eles que herdarão a terra.
Bem-aventurados os puros de coração. Durante um período de minha vida em que lutava contra a tentação sexual, encontrei um artigo que me levou a um livrinho, What I believe [Em que creio], de um escritor católico francês, François Mauriac. Surpre­endeu-me que Mauriac, homem idoso, dedicasse considerável espaço para discutir sua própria concupiscência. Ele explicava: “A idade avançada arrisca-se a ser um período de redobrada tentação, porque a imaginação de um homem velho substitui de maneira horrível o que a natureza lhe recusa”.
Eu sabia que Mauriac entendia de concupiscência. Viper’s tangle [A teia da víbora] e A kiss for the leper [Um beijo no leproso], romances que o ajudaram a ganhar o prêmio Nobel de literatura, descrevem a concupiscência, a repressão e a angústia sexual tão bem como nada mais que tenha lido. Para Mauriac, a tentação sexual era um campo de batalha conhecido.
Mauriac descartou a maior parte dos argumentos a favor da pureza sexual que aprendeu em sua educação católica. “O casamento vai curar a concupiscência”: não no caso de Mauriac, como para muitos outros, porque a concupiscência implica a atração de criaturas desconhecidas e o gosto da aventura e dos encontros fortuitos. “Com a autodisciplina, consegue-se dominar a concupiscência”: Mauriac descobriu que o desejo sexual é como uma maré enchente bastante poderosa para acabar com todas as melhores intenções. “A verdadeira satisfação só pode ser encontrada na monogamia”: isso pode ser verdade, mas certamente não parece verdade para alguém que não encontra alívio da absoluta necessi­dade sexual mesmo na monogamia. Assim, ele avaliou os argumentos tradicionais a favor da pureza e descobriu que são incompletos.
Mauriac concluiu que a autodisciplina, a repressão e os argumentos racionais são armas inadequadas para lutar contra o impulso da impureza. No fim, ele encontraria apenas um motivo para ser puro, e é o que Jesus apresentou nas bem-aventuranças: “Bem-aventurados os puros de coração, pois eles verão a Deus”. Nas palavras de Mauriac: “A impureza nos separa de Deus. A vida espiritual obedece a leis tão verificáveis quanto as do mundo físico [...] A pureza é a condição para um amor mais elevado — para a posse acima de todas as outras posses: a de Deus. Sim, isso é o que está em jogo, e nada menos”.
 Philip Yancey

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